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armadilha

armadilha

01
Jul21

ser-sombra

killua

de janeiro, com febre e o corpo a arder



não nos podemos agarrar a um sofrimento. entre ele e este vírus maldito, não sei qual dos dois mais me tentou matar. tento remar contra a maré, agradecer a serenidade dos mares, fazer tudo para ver o barco abrandar mas eu sou criança irrequieta num corpo grande demais para mim. o confinamento mexe para caralho com a minha cabeça. longe da velocidade que me faz, concluo que ainda não assimilei nada que aconteceu desde o meu nascimento. encontro-me em viagens futuras a fitar-me nos olhos e repito: vou navegar continuamente a dizer apenas ‘’ainda não assimilei nada’’. mas agradeço a dádiva de poder (quase) começar de novo

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é quase inevitável reflectir sobre todos os milagres e mitos que me vieram ocupar desde o retorno a coimbra. há por cá tantas representações do passado e futuro, de grandes portas fechadas que serviram apenas de impulso para caminhar até outras maiores ainda se abrirem. estar na minha cidade sou só eu e o meu sorriso. neste confinamento, as relações com a realidade começam a sofrer distúrbios, por muito que a minha curiosidade irrequieta me leve a dar as minhas voltas. há brechas de luz que são brechas de vida, e nelas se intensifica a vontade de saber viver de alguma forma equilibrada, sabendo que ainda assim, para mim são quase ridículas as tentativas. o tipo de prazeres aos quais me dedico têm consequências gravíssimas, se param na balança do que é ser socialmente e individualmente responsável durante uma pandemia mundial. quando estoirou a crise pandémica do covid há quase um ano, andava por aventuras de capital por Madrid, e é como se tivessem por mim atravessado algumas centenas de anos e fosse uma já obrigatoriedade deixar hoje escrito aquilo que me falhará em reminiscências futuras. no outro dia o Bernardo perguntou-me porque é que era obcecada pelo passado. aquilo atravessou-me durante semanas. já sei que lido de forma desconfiada com a nostalgia, que me tenta invocar continuamente a sítios onde já não caibo, a ver se em mim instaura a tortura.

a racionalidade só é um terror para os fracos de espírito e eu tenho ainda todas as lutas por vir. o ano que nos atropelou apela urgentemente para que se repensem todos os tipos de organizações, enquanto simultaneamente obriga a abrandar e aprender a estar presente. em oposição, tenta sugar-nos para uma espiral de desconexão através da virtualização do acesso a relações humanas. o autocuidado é fundamental, mas cada vez acredito mais que é impossível fazê-lo fora da colectividade. ontem um amor de nove aninhos dizia ao jantar que escreveu num texto para a escola que ‘’a amizade ajuda a evitar acidentes’’. e sorrio, mas ele interrompe o gesto ao dizer que não acreditava tanto nessa frase, apenas o ajudava a ter boas notas escrever dessas coisas cliché. eu acredito por ti victor, e este ano homicida é prova dos vários níveis em que isso é real. as redes solidárias e chamadas e vídeos e encontros e reencontros salvaram-me a vida. os espaços a revisitar nesta volta foram todos. esta cidade é um circo, e eu gosto. as caras de sempre e as novas, os abraços mil, isso é tudo valiosíssimo. o poço que tinha escavado ao decidir ir era já irrelevante e não dá para lembrar os motivos do veneno. só o final de dezembro e um janeiro cheio de esperança no olhar. porque,

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em memórias que são quase sonho, houve quem me arrastasse fora do bafo estival de granada - esse tesouro andaluz que teve toda a força para me recordar que sim, a sensibilidade é revolucionária. saímos desse milagre para entrar noutro e, numa fronteira passada à meia noite, estamos em terras algarvias. e há o vinho verde, o português e os sotaques ao monte, gentes de faro aglomeradas para as quais estar ali é rotina. concretizado o retorno, admito a libertação e salvação do sentimento de pertença, de me fazer ouvir e ouvir facilmente. deitei na praia e rendi-me sonolenta a essa paz aveludada. horas mais tardes, rompeu-se a nocturnidade e ao abrir os olhos, tenho em volta e por baixo a areia fria, contrastada com o sol gigantesco, pronto para me engolir. nesse manto, relembro olhar em volta e concluir apenas que: é tão bom só estar-se vivo, e ter aqui este grande mar para me banhar.

entendi que ia viver em granada numa tarde qualquer, na sua totalidade dedicada a tomar decisões aéreas, que alterariam o rumo total da minha vida. nunca me acostumei à agonia da lentidão que acompanha as projecções e projeções, expectativas e possíveis desilusões de mudar de sítio. com rapidez disse que sim… e foi ter a certeza que sim, era mesmo para ir. ter de montar casa no futuro e o acesso a certas oportunidades é terreno volátil, já que nunca pensei que fosse viver tanto. estou incrédula por ter a independência e determinação para decidir assim. ao fazê-lo, tinha finalmente começado o luto por uma série de acontecimentos que me tinham como ser-alvo de uma pilha fedorenta de jogos, traições, falhas. de coração destroçado, sabia apenas gritar que tudo o reconhecível até agora era mentira e não me mudar seria aceitar um dia-a-dia em que me põem continuamente sal em feridas. mergulhei nesse mar incerto, de forma desesperante e radical, sem grande confiança ou rumo. eu sentia que a podridão toda de dentro tinha de estar a vazar fora da minha pele. pensava que toda a gente me olhava e sabia o tamanho deste terror que me consumia. as outras de mim sussurravam para dentro, confusas, ‘’já soubeste recriar o mundo outras vezes, fica aqui e resolve-te aqui’’. inquestionável a inutilidade desse conselho. fiz a mala e segui sem muito pensar. não se foge de um estado depressivo evitando a necessidade de mudança, e na minha cidade, sentia-me incorpórea, fantasmagórica ... na vida dos demais e na própria.

era valente a paranoia que me envolvia e, ainda assim, sorte ao azar. recusei com todas as forças perder-me nesse vitimismo e dos deuses recebi manjares de oferendas. abraços e beijos e companhias inesperadas e chamadas a recordar vidas passadas e livros que eu tinha de ler e comentários que garantem que os últimos anos aconteceram mesmo. tantos que queria imensamente me falharam no ano anterior que eu duvidava do passado incisivamente, se era invenção ou vida por mim vivida ou o que era. sem passado torno-me gente sem terra, e doía muito. muitas vezes, faltou-me o brio para saber reconhecer as dádivas. às vezes é difícil escolher o melhor para ti, mesmo que esteja diante dos teus olhos. o depressão e o desinteresse por tudo violentam a vida. havia amarras e bloqueios. o coração e os olhos ardiam. hoje em dia não entendo ainda como é que se vive tanto tempo dentro de uma casa que arde.

tinha a minha anterior casa ardido, o que dela sobrava, pelo menos. todas as relações sociais eram marco de ameaça, assustadoras e trabalhosas, e a repetição dos nomes que doíam ecoava por todas as partes. apercebi-me que os que foram desleais são tantas vezes nomeados e essa maldade ocupa tanto e tantos espaços, do social ao físico e ao simbólico. a ocupação hipócrita.

há um fenómeno recorrente dentro das comunidades às quais pertenço, assustadora e material, e à essência de qualquer comunidade de ‘’esquerda’’ maioritariamente universitária. usemos o exemplo de homens jovens, universitários, em coimbra a discutir feminismo. a diferença encontra-se visível primordialmente na distinção entre a teorização realizada nas rodinhas de conversa sentados no espaço social colectivo wtv e nos que lhes sai da boca depois do terceiro copo de vinho. uma vida de práticas não machistas demanda mais que repetir superficialmente as frases e filosofias que creem funcionar para passarem como aliado. porém, sou espectadora de uma contínua expulsão ou afastamento de pessoas, magoadas, violentadas, marginalizadas, dentro das mesmas comunidades que alimentam as teorizações académicas sobre o que no nosso entorno se manifesta. há, acima de tudo, a inércia. sinto quase que para algumas pessoas, ao discutir problemas sociais nas aulas e no café com os amigos, falam de uma massa hipotética de gente. ao debater propostas para melhorar as nossas vidas e fugir ao inferno patriarcal, as narrativas criadas parecem hipotéticas, como se fosse para salvar personagens, e não pessoas reais que vivem nas nossas ruas e nas nossas cidades. perante essa postura, negamos que nas mesmas mesas de café onde nos sentamos todos existem também agressores e violentadores. somos todos e todas coniventes através do nosso silêncio. não perder o capital social suga mais respeito que ser aberta e vocal sobre as agressões dentro da nossa comunidade. há em mim urgência em desmascarar isto tudo (e por consequência perder bastante). isso envolve entender que a política não é apenas levantar faixas e frequentar manifs para se dizer que se foi e escrever artigos na faculdade ao fim do dia, e sim buscar activamente criar espaços onde se podem expor violências. já sem medo. é entender que muitos dos nossos colegas têm atitudes nojentas. admiti-lo. dependendo da gravidade das situações, e caso se justifique, acompanhar devidamente estas almas que violentam. isto, para que nenhuma mana fique de fora. porém, é notório que pouca ou nenhuma comunicação existe em situações onde existem dois lados, ou dois espectros de violência. no fim dessa estrada, a apatia e falta de preparação destas mesmas comunidades em lidar com violência de género, resulta em exílios forçados. quando há visões em desacordo e filmaria, a pessoa que se ausenta não se vê representada, principalmente se algum intruso tiver garantida o ponto número um: convencer todos em volta de que a pessoa a quem te referes é maluca, paranóica, controladora, autoritária, etc

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e já que é para ser assim recordada, que se foda, nunca calarei nenhuma história, é de mim que é preferível que saiam

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perante o fim de 2020, havia quase tudo para celebrar. a família de sempre sentou-se em torno da mesa de sempre. nada em falta. baptizei o novo ano com a mente em chamadas, uma incrível madrugada e alguns milhares de sabores, tesões sinceras e a ressaca a comer-me, obrigatória e parasitária. eu comecei o ano com o peito cheio, assim completamente louca de vontade de andar para a frente com a minha vida. este enamoramento breve e passageiro foi interrompido pela agonizante chamada às nove da manhã, dando-se o despejo da república sorea. é impossível escrever sobre este tema de forma isolada. há que saber penetrar na complexidade das mil histórias que nos fizeram chegar aquele massacre, deixar explícito as inúmeras falhas e momentos de negligência por parte das instituições (e até de dentro da comunidade) e relatar que: apesar de felizmente os habitantes da casa terem conseguido voltar à mesma, a violência do que ocorreu naquela manhã não é retirável. a luta continua. escrevi muito e muito mas vou apagar tudo porque me repito.

o repouso fez-se cessar pelos golpes gigantes, que tão brutalmente provavam que existia bastante em marcha para além do ‘’estou só a fazer o meu trabalho’’. vieram armados com o insulto na ponta da língua. munidos do racismo, da xenofobia e da intransigência. tinham consultado previamente com a represente legal da proprietária do imóvel que, ao contrário destes primeiros, nunca fez grandes esforços para esconder a sua xenofobia. esta tinha afirmado que habitavam a casa imigrantes ‘’ilegais’’, daí a justificação da invasão forçosa, sem permitir aos habitantes que aguardassem a chegada do seu advogado. no interior, o espaço foi dominado pela demanda de que todos os presentes se identificassem, inclusive aqueles que estavam de passagem e não dormiam quotidianamente lá. quem se recusou pela ilógica da obrigação, foi acusado de esconder algo, nomeadamente, a sua ilegalidade no país. ao chegar, assisti ao deplorável espetáculo fora montado, olhei na cara dos demais e tinham consigo desespero marcado. era oficial e tinham agora uma hora para pôr a vida em malas e deixar-se reencaminhar para outro sítio onde haja quem lhes abra a porta. as vidas destas pessoas não cabem nos sacos mil à porta, nos gatinhos assustados, nas malas à pressa, na angústia de não saber exactamente o que é que se deveria salvar. não dá para empacotar uma casa, nunca realmente. a câmara de coimbra marcou presença no local, com o papelinho a afirmar que iria tomar posse administrativa mas não se tinha organizado a tempo para evitar o dilúvio. devia estar de ressaca de ano novo como eu.

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infelizmente, durante esse apagão, ignoram-se responsabilidades que resultam nestas catástrofes. continuam a tentar denunciar as nossas existências. e estes senhores, os presentes ou os que nem a isso se dignaram, o que é que escondem? como é que olhas alguém nos olhos e lhe dizes, em plena pandemia, no frio de janeiro, que não há espaço para ela na casa onde vive? como é que estes mesmos corpos caminham pela nossa casa e tocam as nossas paredes? dá-me nojo que caminhem na casa e toquem as nossas paredes. isto não lhes pertence, mas não dá para explicar isso a quem nunca soube o que é pertencer a lado algum. riram-se, contaram-me que estavam a cumprir a lei. olha a coimbra de barriga cheia mas pobre no conteúdo. ainda tive de lidar ainda com um agente a me chamar ignorante, ao meter conversa comigo para me deixar a par da justiça ali a ser cometida, visto que na casa não vivia nenhum açoreano. grizo-me e mando uma piadinha sobre paquistaneses na prákystão e o mesmo gira-se, inconformado, para dizer que eu não leio livros, claramente não sei a história das repúblicas muito menos da minha e que essa piadinha era resultado de muita falta de estudo. eu grizei-me outra vez e invadiu-me uma vergonha alheia gigantesca por ter este homem na minha frente, a tentar explicar-me como vivo, como vivemos, o que sou e o que as repúblicas representam. eu já sei. nunca tinha acreditado em ser a voz mais gritante para ter de ser escutada. sempre me calei perante as interrupções e nos sítios onde senti que não era bem-vindo que eu actue como eu mesma. daí, desde pequena acreditei também que ia saber lutar com as palavras. até entender que há tantos e tantos monstros sem fala e sem escuta, focados apenas em reproduzir continuamente a violència. são máquinas, demónios, burocráticos, imperialistas, perdidos da vida, soberanos absurdos. chatos. já sabemos todos que a prá é um jogo de palavras, ganhaste senhor.

em reuniões várias com instituições principais de coimbra, contam-me sobre o pouco impacto das repúblicas no município hoje em dia. tentam apelar à nossa desorganização para justificar a deles, e outro par de blasfémias que fomos tendo de ouvir. vocês querem é proteger os ralos da cidade cheios de grego das queimas e o turismo nojento do verão, sem qualquer profundidade ou interesse em como isso afecta os locais. ou em investir noutras merdas cuja execução facilitam, já que facilita também o fluir desse dinheiro sujo do qual se orgulham. depois o tonto é aquele que não quer ser assistir esse espetáculo, e tenta mostrar, com mais ou menos apoios, que coimbra e os seus habitantes seriam imensamente mais felizes com outro tipo de investimento na cultura da cidade. a hegemonia pseudo-cultural que as instituições principais de coimbra protegem fazem de todos nós que buscam alternativas o lixo da cidade. los meninos olvidados.

apesar de ter crescido cá, já não vivia em coimbra há dois anos. nessa manhã não sabia por onde me virar ou a quem contactar para se juntar. estou eu longínqua de saber como se procede a ter fixa essa organização de forma funcional, mas está claríssimo que coimbra não tem um grupo de apoio/segurança pronto a reagir, lidar e enfrentar questões como a que descrevi anteriormente. sermos poucos é uma frustração que nunca cala. a cidade sofre e nós sofremos. a pandemia veio desmobilizar ainda mais, e não sei como seremos depois disto. não me quero conectar nas reuniões do zoom e que ouça o computador o que tenho a dizer, para distribuir e vender. nem sei o que dizer sobre as repúblicas pós-pandemia, mas a minha intuição conta que resistiremos sempre. a todos os custos.

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é-me difícil enumerar os motivos e buscar-lhes soluções. ainda assim, não faço associações directas aos responsáveis pela apatia colectiva. se bem que os há. talvez todas as forças fascistas. que te começam a perverter-te já desde o útero. desconstruir-se e descolonizar-se não é um discurso disponível já à partida. subir a um pedestal e acreditar que essa visão está igualmente acessível a todos é errado e sem noção. há que lutar para continuamente adaptar, entender, aproximar-se e saber escutar. porém, sei também que não existe igual oportunidade para fazer tudo que descrevi anteriormente. estou continuamente incomodada com o facto de dizer barbaridades classistas. vou para já que tenho dificuldade a escrever sobre isto.

cada vez tenho mais certeza que nunca teremos acesso real à história e ao passado, o que não impede de continuar a tentar. a autocrítica é essencial. nunca fecharemos os olhos nem esqueceremos a luta.....manas por favor esmaguem-me se me tiver a esquecer da luta.

é portanto lamentável a rapidez da penetração das ideias de extrema-direita no povo português e consequente resultado das eleições autárquicas agora em janeiro. propagam-se com a força veloz e carga viral destructiva. tenho reflectido e estou ainda obviamente sem respostas, mas questiono-me sobre se há grupos, em todas as gerações, que têm quase medo da liberdade. é ousado e provavelmente tosco o que digo, parece-me uma possibilidade difícil de tragar. ainda assim, questiono sobre se há gentes inteiras com medo de ter controlo sobre si mesmos e sobre as suas próprias vidas. longe de uma socialização submissa e longe das migalhas de autonomia que nos servem desde a pequenhez. as massas conseguiram convencer quase todos que é mais simples que tomem os outros decisões por ti, por te fazerem crer que é o inverso que se sucede.

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o palácio onde vivi, esse ilustre milagre em forma de casa, criou em nós uma garantia de que despertando por ali, os dias certamente seriam brilhantes. quando há um par de semanas encostou no nosso mar um antigo dos anos sessenta, depois de se deslumbrar em nostalgia com as suas próprias histórias da luta estudantil, pede para que cada um individualmente descreva o que faz e do que gosta. respondo que quero fazer filmes e é essa a minha única certeza. reage contando-me sobre a sua vivencia ao lado do césar monteiro. enumerou várias aventuras delirantes, todos protagonizados pelo césar e e pela forma penetrante como o cinema ocupava a sua vida. este aparte na conversa terminou com a seguinte frase do alberto, referindo-se à pra: ‘’desde que conheci o cinema, é como se tivesse vindo aqui’’. obrigada alberto,...

eu perdi a conta aos dias que me sentei comovida a tentar chegar a conclusões sobre tudo o que permiti mudar de mim aqui dentro. estão cá dentro também todos os que amei, em maior ou menor medida. está ainda perto de mim ter a bruna a acordar de ressaca e a raísa em invenções culinárias e o tod a invadir-me o quarto com perguntas para os quais nenhum tinha resposta e a catarina a mandar sms para eu ouvir música baixinho e o mário de cigarro na mão a dizer coisas inteligentes na sala. estão todos tão estupidamente dentro de mim, ainda sentados à volta da mesa, ainda expectantes por que o outro chegue a casa. sei e estou segura que houve tantos mais que me ocuparam igualmente, e que deixei muitos estranhos preencherem pedaços de mim. é acolhedor pousar a cabeça de quem gostamos, ir dormir com a certeza do poder gigantesco de ser rodeada por pessoas que amas.

nesse sentido, nunca existiu em mim maior massacre do que consciencializar-me de que muitas vezes me aconcheguei no inimigo e sofri muito e perdi a cabeça e tinha a certeza que não ia acreditar em amor nunca mais. a vida soube divertir-me tanto que mais cedo do que esperava deu para dar a reviravolta ao desespero que esperava ocupar-me sempre. hoje, admitir a cura é entender que todos os que alguma vez me erraram já não são feridas. todos que souberam desrespeitar o oásis conjuntamente construído continuam aqui, tal como os outros, em maior ou menor medida. ser feliz hoje é aceitar que a vida assim segue e, não sendo feridas, a sua memória exala a confiança de tempos antigos. penso neles fingindo que ainda são as mesmas pessoas de ontem, e que não desrespeitaram a extraordinária lei que nos fez termo-nos tornado espontaneamente família. prefiro viver dia-a-dia mais próxima da minha paz, e recapitular as memórias com a segurança de que foram reais enquanto vivia dentro delas. muitos poucos conseguem imaginar o quanto isto é uma conquista.

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nos momentos de maior angústia do passado ano, principalmente quando não estava à deriva, quis acima de tu voltar a aproximar-me de quem eu era em coimbra. sentia que tinha uma energia incomparável a qualquer outra coisa. recordo pensar que poderia ter sido um monte de outras coisas mais bonitas, mais espertas, mais úteis, se não tivesse tido este último ano atroz e violento. este tipo de pensamento é do mais mortífero, e acompanha-me desde o nascimento (a tentar me matar) porque culpabiliza quem se sente doente por se ter deixado afogar nessa dor profunda, como se o atrofio não fosse feroz e sem escrúpulos. alimenta-se do animal que escolheu. se tivesse escolhido apagar o passado para sobreviver, eu teria negado a poesia, eu teria negado a necessidade que tive de passar por certos caminhos, mesmo não tendo a certeza sobre ao que é que me aproximaram realmente. não há respostas para tudo, e isto era mais fácil quando chegava a casa e contava tudo à catarina. como objectivos, o principal é ‘’continuar a fazer de tudo mesa para o pensamento’’, como escreveu o herberto. pensar pensar pensar e pensar, devorá-los mas nunca me deixar ser devorada.... saber aceitar os processos lentos e saber que ritmos tenho o meu.. que já perdi tanto irrecuperável mas a firmeza é massa dura e resisto sempre. saber hoje que nenhum loop é saudável. estar satisfeita seria fechar os olhos.

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As frases escritas nas paredes tinham todas razão

Obrigada pela visão

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